“Acaso Deus não fará justiça aos seus escolhidos, que clamam a ele dia e noite? Continuará fazendo-os esperar? Eu digo a vocês: Ele lhes fará justiça e depressa. Contudo, quando o Filho do homem vier, encontrará fé na terra?”
Lucas 18:7-8 NVI
Deus governa este mundo, e Ele governa com justiça. “Justiça e direito são o fundamento do teu trono; graça e verdade te precedem” (Salmo 89:14). Deus delega autoridade e responsabilidade para nós, seres feitos à sua imagem, e Ele espera que exerçamos a justiça em seu nome. “Por meu intermédio, reinam os reis, e os príncipes decretam justiça” (Provérbios 8:15) e “Ele te declarou, ó homem, o que é bom e que é o que o SENHOR pede de ti: que pratiques a justiça, e ames a misericórdia, e andes humildemente com o teu Deus” (Miquéias 6: 8).
De acordo com Gregg Allison, a justiça é “dar às pessoas o que lhes é devido, em especial no que diz respeito à administração de uma lei”. A Bíblia muitas vezes refere-se a um tipo específico de justiça, justiça social, que é “a partilha equitativa dos meios econômicos, dos prospectos educacionais, da influência política e de outras oportunidades dentro de uma comunidade”.
O Antigo Testamento ordenava que a nação de Israel cuidasse dos fracos, dos vulneráveis, dos destituídos. Ordenava que seus líderes governassem de forma equitativa, de acordo com a lei de Deus. Qualquer falha em fazê-lo era uma grave injustiça e trazia a ameaça do julgamento de Deus.
O Novo Testamento traz um fim à nação de Israel, mas certamente não um fim à justiça, visto que “A religião pura e sem mácula, para com o nosso Deus e Pai, é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e a si mesmo guardar-se incontaminado do mundo. “(Tiago 1:27).
Quanto à administração da justiça na sociedade, o governante civil é “ministro de Deus, vingador, para castigar o que pratica o mal.” (Romanos 13:4, ver também Mateus 25: 31-46, Tiago 2: 1-13, Atos 6: 1-7).
Deus não vai tolerar qualquer coisa abaixo do seu alto padrão de justiça. Especificamente, Ele odeia as pessoas que enganam os outros, a fim de enriquecer-se (Deuteronômio 25: 13-16).
Ele odeia aqueles que pervertem a justiça declarando povos culpados inocentes e inocentes como culpados (Provérbios 17:15). Ele odeia aqueles que cometem o último ato de injustiça: o assassinato do inocente (Provérbios 6:17).
Por que Deus odeia a injustiça?
Deus odeia a injustiça porque ela perverte o seu mundo. O objetivo de Deus para a justiça é que ela reinasse neste mundo através das pessoas feitas à sua imagem. Ele chama as pessoas para cuidar dos outros em amor e para aliviar o seu sofrimento.
Greg Forster diz: “O evangelho em si requer que a igreja tenha uma visão de justiça que desafie a ganância e a opressão do mundo. E, ao libertar o povo da escravidão espiritual da culpa e do medo, o evangelho expõe a impiedade dos poderes do mundo que exploram a escravidão espiritual para ganho egoísta. É por isso que a igreja na terra é ‘a igreja militante’. A igreja não é a igreja se ela não está em guerra com a injustiça do mundo”.
Em última análise, Deus deseja que as pessoas encontrem sua satisfação nele, encontrem a paz nele e tragam a paz para os outros através da justiça.
John Piper diz: “Quando usamos falsos balanças ou mentimos sobre nossas declarações de impostos ou deturpamos os fatos em nossos negócios, estamos declarando que a doçura fugaz do pecado é mais desejável do que a paz eterna de Deus. Isso não honra a Deus e, portanto, não traz prazer ao seu coração. “‘A balança enganosa é abominação para o Senhor, mas o peso justo é o seu prazer’’’.
O julgamento de Deus sobre os injustos
O próprio Jesus fala sobre o julgamento final e sobre o que vai acontecer a todos os que cometem atos de injustiça. “Porque tive fome, e não me destes de comer; tive sede, e não me destes de beber; sendo forasteiro, não me hospedastes; estando nu, não me vestistes; achando-me enfermo e preso, não fostes ver-me” (Mateus 25: 42-43).
As pessoas vão saber quando e como isso aconteceu, e Jesus responderá: “sempre que o deixastes de fazer a um destes mais pequeninos, a mim o deixastes de fazer” (45).
E então virá a consequência da sua injustiça: “E irão estes para o castigo eterno” (46).
A injusta não tem lugar no reino eterno de Deus. Em vez disso, eles vão pagar o preço mais terrível por negligenciar os necessitados e se rebelarem contra Deus.
Em Romanos 1, Paulo destaca uma longa lista de pecados que marcam aqueles que se afastam de Deus no ódio idólatra, e muitos deles se relacionam com a injustiça: “cheios de toda injustiça, malícia, avareza e maldade; possuídos de inveja, homicídio, contenda, dolo e malignidade; sendo difamadores, caluniadores, aborrecidos de Deus, insolentes, soberbos, presunçosos, inventores de males, desobedientes aos pais, insensatos, pérfidos, sem afeição natural e sem misericórdia” (29-31).
Em uma lista semelhante em 1 Coríntios 6:9-10, Paulo diz especificamente que os ladrões, os avarentos e os roubadores não podem herdar o reino de Deus. Deus deixa claro: o injusto será punido por sua injustiça.
Esperança para o injusto
Mas há esperança para os injustos. Há esperança para aqueles que fizeram atos deliberados de injustiça e para aqueles que não conseguiram aproveitar todas as oportunidades para expressar o amor para com os outros. A esperança é o evangelho de Jesus Cristo, pois Jesus disse: “Os sãos não precisam de médico, e sim os doentes; não vim chamar justos, e sim pecadores” (Marcos 2:17).
Jesus veio ao mundo para salvar os injustos.
Na cruz, o Filho de Deus perfeito e sem pecado sofreu o maior ato de injustiça ao ser torturado e morto. E, ainda assim, a cruz foi também o maior ato de justiça, porque a dívida do nosso pecado foi paga totalmente – em seus ombros.
Através de seu sacrifício, Jesus satisfez a ira de Deus contra o injusto, comprando o perdão daqueles que recorrerem a Ele em arrependimento e fé. “Pois também Cristo morreu, uma única vez, pelos pecados, o justo pelos injustos, para conduzir-vos a Deus; morto, sim, na carne, mas vivificado no espírito” (1 Pedro 3:18).
Sobre a viúva insistente
Nota-se que em nenhum momento aquela viúva pediu vingança. Ela apenas buscava a justiça contra o seu adversário. Várias vezes recorrendo ao juiz, passando por tribulações, mantendo sempre a fé e perseverando na oração.
Na narração de Lucas, temos que o juiz nem se importava com os homens. Despreocupado com as necessidades dos outros, tanto quanto com a opinião alheia. A viúva, especificamente indefesa e vulnerável por não possuir familiares para ajudar a defender a sua causa, era favorecida somente com a justiça e a sua persistência. (Lucas 18:2-3).
O Senhor pergunta “Acaso Deus não fará justiça…?”
Se um juiz indigno, que não se sente incomodado com o que é certo e o que é errado, é, pela insistência compulsado a fazer justiça a uma pessoa indefesa, que dirá Deus deixará de atender a sua oração. “Continuará fazendo-os esperar?”
Certamente Deus não demorará em ajudar os seus escolhidos quando estiverem com a razão. Deus não se compara ao juiz injusto, que se importunou até se cansar e ceder à petição. (Lucas 18:7).
Creio que o foco desta parábola é a persistência nas nossas orações, a fé inabalável de uma viúva e a justiça, tendo a certeza de que Deus não tardará em atender nossas orações, no tempo dele, pois Ele é justo, sendo necessário, portanto, vigiar e orar sempre.
Assim como esta viúva, o povo deve ser persistente diante de suas reivindicações, principalmente na esquisita conjuntura atual.
A esperança escatológica e a justiça de Deus
Os versos 6 a 8 inserem a parábola no contexto da esperança escatológica e a ligam com o tema da vinda do filho do homem de Lucas 17,20-37.
Neste sentido, justiça, juízo, graça e perseverança são temas que se unem na parábola.
O estabelecer da justiça de Deus está vinculado à vinda do filho do homem que virá para fazer justiça aos pobres e oprimidos que se confrontam com situações cotidianas de direitos negados.
Mas, a justiça de Deus é motivada pelo seu amor e sua misericórdia e não pela preocupação consigo mesmo como no caso do juiz injusto da parábola.
É nesse contexto que Lucas insere a parábola da viúva persistente, advertindo para não desanimarmos na luta ativa para fazer presente a justiça de Deus.
A parábola encerra com a pergunta problematizante: "Quando o filho do homem vier, encontrará fé na terra"? O exemplo da viúva persistente fica claramente apresentado como modelo a ser seguido pela comunidade de discípulos e discípulas.
A advertência de Jesus é quanto à espera ativa e persistente pelo reinado de Deus. A fé aqui referida é sinônimo da postura e ação da viúva em que, na situação de injustiça na qual parecia haver total ausência de Deus, ela se implica de maneira insistente e incansável.
Portanto, manter a fé significa não desanimar, não desistir e perseverar em busca incessante da realização da ação salvadora e libertadora de Deus, comprometendo-se com seu projeto de justiça, principalmente para os grupos mais excluídos e oprimidos para quem Ele, justo juiz, dirige sua misericórdia.
O exemplo trazido nessa parábola nos convida a viver uma fé não fatalista e não conformista, mas uma fé e oração ativa, combativa e persistente comprometida e implicada com a luta pelos direitos das pessoas mais excluídas.
A pergunta continua pertinente: Será que quando o filho do homem vier, encontrará fé como a dessa mulher?
Que a herança e exemplo dessa parábola nos ajudem a manter uma fé ativa e operante em meio ao mundo de estruturas injustas.
A impaciência e persistência da mulher viúva para nós é como modelo de fé e oração
Versículos-chave sobre a injustiça
- Deus odeia pesos falsamente definidos para enganar o cliente (Deuteronômio 25:13-16)
- Deus odeia as mãos que derramam sangue inocente (Provérbios 06:17)
- Deus odeia aqueles que justificam os perversos (Provérbios 17:15)
- Deus odeia aqueles que condenam os justos (Provérbios 17:15)
- Deus condena aqueles que agem injustamente e acolhe aqueles que agem com justiça (Mateus 25: 31-46)
- Deus ama a religião compromissada em ajudar os pobres e negligenciados (Tiago 1:27)
- Deus levanta os líderes da igreja para garantir que seu povo seja tratado de forma igual (Atos 6: 1-7)
- Deus puniu justamente o seu Filho justo para satisfazer a sua ira contra os injustos (1 Pedro 3:18)
Pr Jacir Ailton da Silveira
Teólogo e pastor.